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wGritos e Sussurros |
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wterça-feira, 18 de março de 2003 |
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Hedwig - Rock, Amor & Traição
Por Kleber Mendonça Filho
Hedwig - Rock Amor e Traição (Hedwig and the Angry Inch, EUA, 2001), de James Cameron Mitchell, é uma reflexão pop-colorida sobre amor e as linhas divisórias que marcam nossas vidas. Narrado como um musical moderno, o filme do energético Mitchell (que co-escreveu o roteiro, as músicas e ainda assume o papel título) é uma dessas excentricidades que o cinema americano produz na surdina e termina resultando numa obra estridente, conquistando platéias que têm enxergado no filme uma afirmação de como é importante ter personalidade e amor. É o cinema americano mais uma vez nos dando suas certezas otimistas, aqui literalmente travestidas de conflito, som e fúria. É uma das lições de vida mais divertidas do cinema, em tempos recentes.
Esta adaptação de um espetáculo do circuito off-Broadway (o lado alternativo da Broadway de O Fantasma da Ópera e O Rei Leão) consegue atingir uma leveza ao discutir temas pesados. O filme foi um dos mais procurados do Festival do Rio e da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mês passado. Lembra um carro cubano montado com peças avulsas de pelo menos quatro filmes: Pink Floyd the Wall, Traídos Pelo Desejo, Priscilla a Rainha do Deserto e Velvet Goldmine.
A sensação de déja vu é suplantada pela força do personagem Hansel, um menino gay de Berlim oriental que cresceu ouvindo Aretha Franklyn, David Bowie e Lou Reed na Rádio das Forças Armadas Americanas. Desde cedo, ele enxerga que as pessoas compõem a metade de um todo emocional e acredita que sua outra metade pode estar muito além do muro de Berlim. Hansel é um romântico e as delicadas animações nos dizem isso, logo de cara.
Há metáforas claras e evidentes que trabalham a favor do filme. Hansel, por exemplo, vê-se preso por trás do muro até que um americano chega para resgatá-lo do mundo comunista e da sua própria sexualidade, o sargento Luther Robinson (Maurice Dean Wint). A seqüência de sedução tem ecos de Lolita (Hansel também está tomando sol) e usa como tema principal gummy bears (aqueles ursinhos coloridos de jujuba), uma tentação para qualquer criança comunista.
O americano negro e o alemão de olhos azuis casam-se com o apoio moral da mãe de Hansel (Alberta Watson), que ainda lhe empresta uma peruca e o nome "Hedwig". Ela também estimula a operação de troca de sexo que o transformaria na Sra. Robinson ("na vida, é importante deixar algo para trás"), uma incisão mal feita que deixa Hansel com uma defeituosa "polegada irada" (o tal "angry inch" do título).
O filme evolui ao passar para os Estados Unidos, nos narrando a relação de Hedwig com Tommy (Michael Pitt), adolescente filho de militar que encontra na feminilidade extraterrestre de Hedwig um misto de paixão e repulsa. Com Hedwig, Tommy aprende tudo sobre ser pop e ter estilo, abandona as pavorosas bandas de rock "geográficas" americanas dos anos 80 (Boston, Europe, America) e vira um ídolo teen que Hedwig batiza de Tommy Gnosis (do grego "gnose", conhecimento).
Tommy, no entanto, não segura a onda sexual trazida por Hedwig, que implora que seja amado pelo que ele é. A tensão sexual revela-se forte demais e Tommy vai embora, roubando todas as músicas que um dia os dois fizeram juntos e tornando-se uma nova estrela do pop, deixando o melancólico transexual fora do amor e do reconhecimento artístico.
Estruturado como uma série de lembranças de um Hedwig transexual mal tratado pela vida, artista-drag-queen "internacionalmente ignorado" e à frente de uma banda, a "angry inch", que explora o deprimente circuito de música ao vivo em bares e restaurantes (vizinhos de arenas e estádios que recebem a turnê de Tommy), o filme é narrado, em grande parte, via música pop de boa qualidade (mixada alto na trilha) capaz de fazer o espectador assoviar melodias antes mesmo do final da sessão.
Surpreendentemente, em meio ao humor "drag queen" (uma piada com Farrah Fawcett, por exemplo), maquiagem colossal e a acidez melancólica da narração, há uma aura notável de romantismo que revela-se o verdadeiro motor do filme. Hedwig - Rock Amor e Traição é um exercício leve e perfeitamente atuado, dirigido por Mitchell com aparente liberdade de criação sobre ser aceito com aquilo que você tem para oferecer, e também pelo que você é.
Filme visto no Cineclube DirecTV, São Paulo, outubro de 2001
posted by
João Cândido at 04:02
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