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wsegunda-feira, 19 de maio de 2003 |
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Já se tornou o filme mais esperado do momento...
Dogville (Cannes 2003)
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LINHAS NO CHÃO
Por Kleber Mendonça Filho (CinemaScópio)
A sensação que ficou depois da exibição de Dogville, do dinamarquês Lars Von Trier, é a de que o Festival de Cannes 2003 já acabou. O filme teve sua premiére mundial ontem de manhã, depois de dois anos de segredos. É o novo filme do vencedor da Palma de Ouro 2000 (por Dançando No Escuro). Até agora na Mostra Competitiva, estávamos vendo a safra habitual de filmes fracos (Às Cinco Horas da Tarde, da iraniana Samira Makhmalbaf), bons (Swimming Pool, de François Ozon, Elephant, de Gus Van Sant, e muito bons (o turco Uzak, de Nuri Bilge Ceylan). Com a exibição de Dogville, a Mostra Oficial ganhou uma anomalia artística que esmaece qualquer outro filme da competição. É um espanto de cinema e política.
Von Trier continua testando os limites do cinema, repensando-o, reciclando-o, considerando a força de outras artes que não apenas o cinema. Se Dançando no Escuro já era tudo isso, ele recomeça do zero nesse aqui e ousa filmar as três horas de Dogville num palco aberto com fundo infinito.
Os atores caracterizados obedecem a linhas marcadas no chão que representam um esqueleto mínimo de ambientação (casas, ruas, etc). Acrescenta efeitos de som realistas, planos de cima que transformam o filme numa grande maquete viva e depois de um tempo, o espectador vê-se imerso na trama. Nunca a noção de "teatro filmado" foi tão cinica e audaciosamente provocada como em Dogville. Reação do espectador comum poderá ser problemática caso ele/ela não dispa-se totalmente de qualquer pré-concepção sobre como um filme "deve" ser.
Politicamente, Dogville é um ataque dos mais violentos contra os Estados Unidos e sua cultura, algo que ganha ressonância pelo atual estado de coisas nesse pós-Guerra do Iraque. Dogville, claro, já estava pronto quando a Guerra estourou, mas como alguns problemas político-culturais são antigos, a sintonia de Von Trier com o mundo faz do filme um comentário ainda mais brutal contra os EUA, deixando muitos americanos presentes em Cannes atônitos, irritados ou, pior ainda, sem entender a força da pancada.
Com Dançando no Escuro, Von Trier havia anunciado o fim da trilogia do "Coração de Ouro" (composta também por Breaking the Waves e Os Idiotas). Esse filme marca o início de uma nova trilogia, a "U, S and A", com histórias ambientadas nos EUA. Dogville é o "U" da trinca. Von Trier nunca foi aos Estados Unidos e a acidez da sua crítica já havia sido sentida em Dançando no Escuro. Em Dogville, Von Trier parte para a jugular.
Em respeito aos futuros espectadores do filme, é impossível detalhar o eixo da contestação por ser parte essencial da trama. Eis a sinopse fria: uma mulher chamada Grace (Nicole Kidman, perfeita), fugida de gangsters, chega a uma cidadezinha nas Montanhas Rochosas do Colorado, na época da Depressão nos EUA, onde é acolhida pelos cidadãos locais. Ela logo irá descobrir que, nesse lugar, a bondade é uma coisa muito relativa.
Com homenagem clara a uma das obras-primas menos vistas de Stanley Kubrick, Barry Lyndon (1975), Von Trier divide o filme em capítulos (sete ao todo + um prólogo). Também de BL vem a narração irônica, clássica.
O toque de mestre é o fato de ele conseguir chacoalhar o espectador lembrando-o sempre de que estamos diante de um filme, de obra de expressão artística, e mais tarde nos damos conta de que há também um protesto violento através da análise de seres humanos no que ele tem de pior e melhor para oferecer. Von Trier vai, portanto, assustando com eloqüência, seja na força das suas portas invisíveis, ou na imagem final de um cão, ou na música Young Americans de David Bowie acompanhando coleção desconfortável de fotos que retratam o povo americano. Filme incrível.
Além de Kidman, Dogville tem no elenco nomes importantes de Hollywood como Lauren Baccal, James Caan, Ben Gazarra e Philip Baker Hall. Colaboradores fixos de Von Trier como Stellan Skarsgard, Jean Marc Barr e Udo Kier também participam. Eles passaram seis semanas trancados num estúdio sueco, durante o inverno, em completo isolamento.
Filme visto no Grand Theatre Lumiere, cannes, 20 de Maio de 2003
posted by
João Cândido at 23:08
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