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wquinta-feira, 25 de setembro de 2003 |
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Mais um texto genial do Kleber Mendona Filho, jornalista, crítico e pensador de cinema, do site CinemaScópio. Por favor, não deixem de ler. Está fantástico!
Irreversível & The Brown Bunny e Bad Boys II
Por Kleber Mendonça Filho
Vi Irreversível em maio de 2002, no Festival de Cannes. A primeira impressão está registrada no site e está claro que me senti atraído pela técnica do filme e sua capacidade de agredir com imagem e som. Na época, não entendi bem o porquê de tanto de tudo aquilo que o filme tem, e acho que muitos também não entenderam. Some isso ao hype excessivo na época do Festival e veio uma sincera irritação com o filme de Noé.
Nesses 15 meses e tanto, o filme alojou-se na consciência de muita gente, inclusive na minha. Há uma grande maioria que o detesta, especialmente a crítica em geral, amigos e colegas de profissão. Em termos gerais, há uma preocupante censura velada ao filme e é provável que a grande imprensa o trucide no seu lançamento no eixo Rio/SP.
Fico feliz de o filme ganhar distribuição no Brasil, pois o mercado está cada vez mais difícil para filmes anormais, com forte resistência à violência, ao ritmo lento, às formas duras de filmar a realidade (onde está o mexicano Japón, ou o belga Rosetta? Funny Games, de Michael Haneke, obra-prima absoluta, foi praticamente enterrado pelos exibidores em 98. No Rio, o filme chegou um ano depois de passar aqui no Recife.
Isso é preocupante e me lembra já um outro filme recebido a pedradas em Cannes (esse ano), The Brown Bunny, do Vincent Gallo, que chega ao Brasil via Festival do Rio 2003 (tentem ver esse filme). A crítica fez corredor polonês tanto com Irreversível como com The Brown Bunny. Bateram e mijaram nos filmes, e isso para mim só faz valorizar essas duas obras que, no final das contas, são perseguidas por serem objetos estranhos na caretíssima cinematografia atual, não tanto na cinematografia feita e pensada, mas na cinematografia apreciada e exibida. É a velha coisa humana, tenha medo daquilo que você não conhece, nunca viu antes e que parece agressivo. Os dois filmes parecem agressivos, mas não são, realmente.
Eu sei que gosto não se etc... mas Irreversível e The Brown Bunny não são ‘Bela Donnas’ ou ‘Jacobinas’, que desagradam pela incompetência técnica e narrativa, conseguindo assim unanimidades de rejeição. São filmes bem pensados, autorais, pessoais, produzidos com novas tecnologias, por diretores jovens que usam a anergia que têm para desafiar idéias de mercado, idéias do que pode, ou não, ser mostrado no cinema.
Tecnicamente, Noé e Gallo utilizaram até mesmo a mesma câmera (uma Aaton pequena), tendo Noé dado dicas pessoais a Gallo sobre como filmar com o equipamento. A sintonia dos dois foi comprovada na coletiva de imprensa de Gallo, em Cannes, quando eu vi Noé em pé ao fundo, dando uma de amigão em momento tão interessante! Um ano antes, era Noé que enfrentava a fúria da imprensa. Na época, chegaram a perguntar ao cara se ele pretendia matar alguém de verdade num próximo filme, piada irônica que, no fundo, revela um preconceito gigante por parte de quem indagou.
No caso de Irreversível, é bom lembrar que, historicamente, filmes agressivos (Meu Ódio Será Tua Herança, Laranja Mecânica, Sob o Domínio do Medo, Texas Chainsaw Massacre, Scarface, Funny Games) sempre foram recebidos no coice. “Fascista”, “Imoral”, “Nojento”, “Desumano”, “Pervertido”, adjetivos jogados ao léu em tempestades de incompreensão para cada um desses filmes, nas respectivas épocas dos seus lançamentos. Foram todas obras que quebraram barreiras, que mostraram imagens e repensaram a violência filmada de maneira anormal (adoro essa palavra quando aplicada a filmes, os anormais são os melhores).
Os dois filmes de Noé e Gallo, aparentemente, desagradaram a crítica e espectadores em geral por serem ultra-violentos, monótonos, por exibicionismo, sexo e violência explícitos. Interessante observar que quem abandona os dois filmes – no caso de Irreversível, pela violência, no de ‘Bunny’, pela monotonia – deixa de ter uma visão dos dois conjuntos que realmente fecham-se perfeitamente como círculos.
É aí que chamo para a roda um terceiro filme, igualmente depredado pela crítica (eu incluído), e isso só prova o quanto o juízo de valores, o “entender algo” revela-se tão complicado, às vezes contraditório: Bad Boys II. Fui ver o filme de Michael Bay e lembrei muito de Irreversível. Você pode discordar por completo, mas acho que este sim merece os impropérios que o filme experimental de Noé (e os de Peckinpah, Kubrick, Hooper, De Palma...) tem recebido (“irresponsável”, “imoral”, etc).
Dezenas de pessoas são trucidadas alegremente em Bad Boys II. A morte é um espetáculo excitante, a destruição é um espetáculo excitante e degradante, carne e sangue humanos são derramados sem dor ou conseqüência. Em Irreversível, há um morto e um estupro. A morte é feia, longa como dizia Hitchcock (“matar alguém é algo trabalhoso e que leva muito, mas muito tempo”), a linguagem desafia o espectador a mantrer os olhos bem abertos. Há conseqüências terríveis para cada ato de violência, e essa violência é executada com a estupidez do ódio, o desejo de vingança é equivocado, um desastre.
O estupro no filme ganha tratamento à altura do ato. É uma coisa feia, abominável. Em Irreversível, cada entrada naquela mulher sugere dor, desrespeito. Em Bad Boys II, cada barraco derrubado por um jipe na impressionante seqüência da favela incita ao riso, ignora o ser humano.
Nada como dois filmes para te fazer pensar sobre el cine.
posted by
João Cândido at 22:09
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