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wGritos e Sussurros |
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wterça-feira, 24 de fevereiro de 2004 |
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Não assisti a nenhum dos Big Brothers que já passaram. Estou conhecendo este quarto, que está em andamento agora. Vou contar que eu tinha um preconceito. Não contra o Big Brother em si ou contra a idéia de shows de realidade (acompanhei todas as Casas dos Artistas, por exemplo). Meu preconceito era com o bom e velho "padrão Globo de qualidade". De fato, ele está lá no Big Brother, mas tenho conseguido não me irritar com isso. E, à medida que o tempo vai passando, vou me irritando menos ainda. Mau sinal!
Mas a questão que eu quero levantar não tem nada com isso. Tenho escutado de um ou outro poraí que este está sendo o Big Brother mais chato porque ninguém briga, ninguém reclama, basicamente NADA ACONTECE. E, de fato, os melhores momentos de programa são os 20 minutos ao vivo que o Multishow passa. Ali está tudo acontecendo na hora, não existe uma edição que escolhe os melhores momentos, então a coisa fica ainda com mais clima de "nada acontece". Só que não consigo deixar de, nos últimos dias, relacionar isso a oito páginas de um texto que escrevi há pouco menos de um mês em que, relacionando Elefante e The Brown Bunny, eu tentava desvendar as mise-en-scénes desses dois filmes a fim de encontrar a construção de um convívio personagens-expectador. Uma opinião meio comum (mais em The Brown Bunny do que em Elefante) era de que na primeira hora dos dois filmes NADA ACONTECE. Eu analisei essas primeiras horas no meu texto. Ok., nos filmes eu fazia uma ligação direta disso com a criação de uma melancolia bela que, convenhamos, não existe no Big Brother. Na verdade, pensando um pouco mais, acho que a relação é muito tênue. Mas, bom, não consigo não lembrar desse meu texto e dessa "construção do convívio" quando assisto aos 20 minutos de programa ao vivo no Multishow.
Só... curioso.
posted by
João Cândido at 05:20
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wterça-feira, 3 de fevereiro de 2004 |
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Se te queres
Fernando Pessoa
Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objetiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células noturnamente conscientes
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atômica das coisas,
Pelas paredes turbihonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...
posted by
João Cândido at 04:21
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