Gritos e Sussurros

wGritos e Sussurros
Máx. 500 caracteres


wArchives:


-- HOME --



This page is powered by Blogger. Why isn't yours?
wsábado, 6 de agosto de 2005


EXTREMO SUL***
Filme de não-filme

Cinco escaladores subindo o monte Sarmiento. A primeira cena mostra Monica Schmiedt, co-diretora e produtora do filme, subindo uma montanha sozinha e, numa narração em off, diz: “Escalar o Sarmiento: um desafio. Mas eu tinha que tentar”. Daí pra frente e por um bom tempo Monica (e qualquer vestígio de que uma filmagem esteja acontecendo) desaparece do filme. Seguimos cinco homens, escaladores, que se mostram para nós totalmente preparados para o desafio: escalar aquela montanha tão difícil, feito só conquistado três vezes na História. Conhecemos a montanha e cada um dos personagens. Dentre aqueles cinco homens, um deles, Barreta, toma o papel de protagonista. Sendo o idealizador do projeto (da escalada, não do filme) e portando uma câmera de mão que utiliza como um diário, toma para si, pelo menos durante a primeira metade do filme, o papel de narrador.

Nessa primeira metade, segue-se a cartilha básica dos filmes de aventura: um grupo de esportistas com desafio xis que será ou não alcançado. Mas no entusiasmo dos cinco esportistas, algo parece estranho. Sentimos que há algum exagero na ansiedade meio infantil de Barreta em elogiar seus companheiros (“meus ídolos” ou “as únicas pessoas com quem eu subiria o Sarmiento”, ele diz). Por outro lado, os outros quatro integrantes do grupo passam a se encaixar em algum papel específico, algum estereótipo. Temos então o experiente, o professor, o sábio e o jovem cheio de garra. Assim os cinco chegam ao pé da montanha e armam acampamento. Alguns dias esperando o tempo bom, nada de muito interessante acontece.

Ao se aproximar do enfadonho e do repetitivo, ouvimos a voz de Sylvestre Campe, co-diretor e fotógrafo, que diz “Peraí que eu tô me vendo”. Barreta abaixa a cabeça e o diretor aparece refletido em seus óculos escuros. De repente, em uma meia dúzia de frases, o filme se rasga ao meio. Descobre-se que há toda uma equipe de filmagem ali, que há uma equipe de apoio, que há dois acampamentos e, mais forte, que o grupo de escaladores está dividido. A amizade e admiração que parecia ser a força (chata) do processo até ali está rachada.

E ali, naquela segunda metade do filme, Schmiedt e Campe vão se jogar ao inesperado. Entre a ansiedade de Barreta por subir a montanha e a cautela extrema dos outros integrantes, os diretores se vêem de mãos amarradas. De um lado, Nativo, o que vestira a roupa do “experiente”, diz que o Sarmiento é muito maior e perigoso do que eles imaginavam e que a responsabilidade de levar uma equipe de filmagem seria grande demais pra ele. Do outro, diz Barreta que seu único desejo é escalar, mas sabe que sozinho não conseguirá.

A coragem da mise-en-scène em seguir o inesperado (que em alguns momentos beira o absurdo, como as claras desculpas esfarrapadas dos integrantes de não aceitarem subir sozinhos com uma câmera de mão porque “eu não sei filmar” ou porque “o metal pode ficar muito frio e eu não conseguir segurar”) nos dá pelo menos dois momentos para se guardar. O primeiro é um plano em que Campe filma Barreta em sua barraca, de fora pra dentro e Barreta esfrega os olhos. Campe diz “Vamos pensar em coisas positivas, talvez ainda dê pra subir” e Barreta, como que ciente do fracasso, fecha o zíper da barraca sem responder. O outro momento é quando, entrevistando um dos “desertores”, Monica pergunta “Tivemos quatro dias de sol seguidos. Porque não tentar agora?” e o entrevistado responde “Essa pergunta já não faz mais sentido, o momento de atacar já passou. Pra que atrito agora?”. O que esses dois planos deixam bem claros é que o grande fracasso da expedição consistiu numa dificuldade muito forte de se relacionar. Aquelas pessoas ali, 27 dias isoladas no sul do continente, não conseguiam conversar e dizer o que pensavam e propor idéias. O fracasso não aconteceu porque o Sarmiento assusta ou porque eles não estavam bem equipados. Aconteceu porque aqueles homens não conseguiram se comunicar.

E o rosto entristecido de Monica Schmiedt na última cena, vendo a montanha se distanciar, mostra o verdadeiro tema de Extremo Sul: o fracasso humano. A frase do começo vem à mente: “Um desafio, mas eu tinha que tentar”. O fracasso humano de um desafio (a escalada) fez o sucesso de outro: o filme. E um belo filme.


posted by João Cândido at 02:00